A Lenda do Fibonacci no Mercado Financeiro
Poucos conceitos atravessaram séculos com tanta persistência quanto a famosa sequência de Fibonacci. Descoberta pelo matemático italiano Leonardo Pisano, conhecido como Fibonacci, no século XIII, a sequência surgiu como uma solução para um problema de reprodução de coelhos, mas logo passou a ser associada a padrões naturais como conchas, galhos de árvores, proporções do corpo humano e até mesmo a espirais galácticas. No entanto, o que causa espanto é que, muitos séculos depois, essa mesma sequência seja usada como ferramenta técnica no mercado financeiro, em especial no day trade.
A lógica difundida é que os mercados financeiros se movimentam em padrões cíclicos e proporcionais que obedecem à razão áurea, e que retrações e projeções baseadas nos números da sequência,como 38,2%, 50%, 61,8%, 161,8% — permitem prever com precisão os níveis em que o preço deve parar, reverter ou continuar. Com isso, traders traçam linhas no gráfico e esperam que o preço reaja quando atinge essas zonas "mágicas". O problema não está no uso das ferramentas, mas no modo como elas são tratadas: como elementos místicos, e não matemáticos.
A realidade é que Fibonacci, no mercado, virou mais uma lenda do que um modelo estatístico funcional. A sequência em si tem fundamentos matemáticos válidos, mas sua aplicação nos preços é carregada de viés de confirmação. Como o trader traça os níveis após os movimentos já acontecerem, é fácil encontrar reações que "respeitaram" um Fibonacci, ignorando as dezenas de momentos em que os mesmos níveis falharam completamente. Assim, a ferramenta não é invalidada, ela é reinterpretada. Se o preço não respeita o 61,8%, é porque “foi buscar o 78,6%”, e se rompe o 161,8%, é porque “ultrapassou a projeção e agora pode voltar para testar o 100%”. Em outras palavras, o nível sempre parece certo, depois que o preço passou por ele.
Além disso, há um problema prático: Fibonacci não considera fluxo, intenção, volume, nem contexto institucional. É uma ferramenta geométrica aplicada a uma estrutura que é, essencialmente, informacional. O mercado não se move por proporções matemáticas herdadas da natureza, ele se move por desequilíbrios entre oferta e demanda, muitas vezes manipulados por grandes players, algoritmos de execução, ruídos macroeconômicos e fatores comportamentais humanos. A sequência de Fibonacci, quando colocada sobre esse caos, serve mais como linguagem estética do que como instrumento de previsão.
É importante destacar que usar Fibonacci não é, por si só, um erro. O erro está em tratá-lo como profecia. Como qualquer ferramenta técnica, ele pode ter utilidade como elemento de estrutura, desde que inserido dentro de uma metodologia que leve em conta probabilidades reais, análise de fluxo, leitura de contexto e gerenciamento de risco. Fora disso, o Fibonacci vira exatamente o que ele se tornou para muitos operadores: uma lenda visual, um símbolo reconfortante de previsibilidade em um ambiente que é, por definição, não linear.
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