A Dúvida Cartesiana e a Ilusão do Mercado
Meus pensamentos não são ideias, são surtos com pretensão filosófica!
René Descartes inicia sua filosofia rejeitando tudo aquilo que pode ser falso. Ele propõe duvidar de todas as crenças, de todas as percepções, de tudo que os sentidos nos oferecem, porque os sentidos, ele diz, já nos enganaram antes, e o que engana uma vez pode enganar sempre.
No mercado, o trader vive exatamente essa condição:
ele vê um padrão, mas não pode confiar nele,
sente que vai subir, mas já errou tantas vezes sentindo a mesma coisa,
segue uma lógica, mas é traído por exceções invisíveis.
O gráfico é como um sonho cartesiano: ele parece real, mas pode ser uma simulação, uma armadilha, uma ilusão do “gênio maligno”, o mercado.
Para Descartes, só há uma saída: duvidar de tudo até encontrar algo indubitável.
Para o trader, a dúvida constante é o único caminho para não ser tragado pela fantasia de controle.
O Cogito do Trader: “Penso, logo existo”?
O cogito cartesiano nasce da introspecção pura:
"Mesmo que tudo seja falso, o fato de eu duvidar prova que eu existo,"
"Pois duvidar é um ato do pensamento, e quem pensa, existe."
E no entanto, o trader moderno se encontra num paradoxo:
ele pensa demais e perde, sente demais e duvida, age demais e erra.
Seu pensamento, ao contrário do filósofo, não confirma sua existência, mas sua ansiedade.
No mercado, o trader não pode confiar plenamente no que pensa,
pois o que pensa é muitas vezes contaminado por medo, viés, impulso e desejo.
Ele então se vê forçado a viver uma segunda camada do cogito:
"Se penso, talvez não existo como trader; talvez apenas sofro como ego,"
"Mas se observo, sem reagir; se percebo, sem projetar; se entendo, sem desejar... talvez então eu esteja operando."
A consciência cartesiana se reinventa no trader como atenção presente, não ego pensante.
Não é mais o “penso, logo existo”,
mas talvez:
"Observo, logo compreendo."
"Aceito o risco, logo existo no mercado."
A Separação entre Sujeito e Objeto: o Eu e o Gráfico
Descartes separa o mundo em res cogitans (coisa que pensa) e res extensa (coisa extensa, o mundo físico).
O sujeito pensa, o objeto é pensado.
O trader, então, tenta ser sujeito diante do gráfico, o objeto.
Mas eis o problema:
o gráfico não é apenas objeto. Ele reage ao sujeito.
Ele engana, se adapta, reverbera decisões humanas, incorpora emoções de multidões.
Ele não é um mundo físico puro, é um espelho emocional coletivo.
Logo, a separação cartesiana falha no mercado.
O trader não pode ser um observador puro, pois sua própria entrada altera o sistema.
Assim, ele entra em um labirinto existencial:
"Eu sou sujeito diante de um objeto que responde aos sujeitos, e portanto, é um sujeito travestido de objeto."
O mercado é uma res extensa mutante, um teatro onde a matéria é movida por desejos invisíveis.
O Gênio Maligno dos Mercados
Descartes propõe um experimento:
"E se um gênio maligno muito poderoso me enganasse o tempo todo, criando ilusões em vez de verdades?"
"E se tudo que percebo for parte desse engano?"
O trader, ao tomar stop atrás de stop, sente a presença desse mesmo gênio:
"O padrão rompe e volta,"
"o suporte segura até que eu compro, e então rompe,"
"o volume aumenta, mas é armadilha,"
"os indicadores conspiram contra mim,"
Essa paranoia não é ilusão:
ela nasce da tentativa de atribuir lógica cartesiana ao caos adaptativo.
O mercado não é lógico no sentido cartesiano:
ele é estrategicamente ilógico, como um gênio maligno que conhece todos os seus pensamentos antes de você agir.
E por isso, desejar certeza no mercado é o mesmo que querer verdade absoluta em um sonho.
A Nova Epistemologia do Trader: Saber Agir sem Saber
Ao final de sua jornada, Descartes tenta reconstruir o mundo a partir da razão.
O trader, ao fim de suas perdas, faz o oposto:
ele precisa aprender a agir mesmo sem certeza,
a viver com dúvida sem paralisia,
a navegar no caos com disciplina, e não com lógica absoluta.
É uma inversão cartesiana:
-
Descartes busca certeza para agir,
-
o trader busca estabilidade sem certeza.
A epistemologia do trader não é racionalista pura, é probabilista emocional, é consciência adaptativa,
é o retorno do corpo, da emoção, do tempo real.
É o fim da metafísica da certeza.
Descartes Revisto pelo Mercado
"No silêncio da tela, entre ticks e velas, há uma mente que duvida,"
"Um ego que sofre, um olho que busca lógica em ondas de caos,"
"Mas ao contrário do filósofo que pensa para existir,"
"o trader precisa parar de pensar para, enfim, operar."
Talvez a verdadeira frase seja:
“Sofro, logo opero mal.”
“Aceito a incerteza, logo existo no fluxo.”
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